Alegria e respeito com o Sarau das Pretas

Alegria e respeito com o Sarau das Pretas
Sarau das Pretas no Sesc São Caetano

Ainda com gostinho de carnaval, o show do Sarau das Pretas no Sesc São Caetano é o destaque do projeto Cena Aberta.

Com o espetáculo “CarnaPretas – Diversão sem Preconceito”, o coletivo revisita algumas famosas marchinhas de carnaval.

Em uma apresentação com diversas nuances e expressões artísticas, o grupo mostra que temas que faziam ‘sentido’ há algum tempo, hoje já não se encaixam tão bem assim na realidade.

 

Em entrevista exclusiva ao Webjornal ABC, as integrantes do Sarau das Pretas se revezaram para contar todos os detalhes da concepção desse show.

 

Webjornal ABC – O espetáculo CarnaPretas é composto de poemas, paródias e músicas autorais. Como vocês selecionaram esse conteúdo?

Sarau das Pretas – Débora Garcia:

A proposta inicial do espetáculo partiu do Sesc Santo André, para que desenvolvêssemos algo sobre o conteúdo das tradicionais marchinhas de carnaval.

Aceitamos o desafio, pois isso nos tira da zona de conforto e nos leva a renovar continuamente o nosso trabalho individual e coletivo.

Quando iniciamos o trabalho, o recorte já estava bem definido, o que colaborou bastante com o nosso processo.

A partir de então, passamos a estudar o tema e a nos dividir na produção de conteúdo.

Eu e Jô Freitas ficamos incumbidas de escrever as paródias das marchinhas.

Cada uma se comprometeu a produzir pelo menos dois poemas novos.

Eu na coordenação geral do trabalho, fiquei incumbida de juntar todos esses contextos de forma orgânica, o que resultou na concepção e roteiro do CarnaPretas – Diversão sem preconceito.

 

WABC – Como foi todo o processo criativo desde a construção das personagens, a elaboração do roteiro, do cenário?

Sarau das Pretas – Débora Garcia:

A partir de todo o processo de pesquisa, compreendi que a melhor forma de apresentar o conteúdo levantado seria por meio de um roteiro teatral.

Para encadear a história que gostaríamos de contar.

Temos cada vez mais nos aproximado da linguagem cênica para a construção dos nossos espetáculos.

Mas sempre foi algo mais improvisado, no sentido de termos referências para a nossa atuação.

Essa foi a primeira vez que trabalhamos com um roteiro completo, com atos, personagens e falas.

Esse roteiro foi desenvolvido por mim, a partir do conteúdo das marchinhas supracitadas e dos retornos do nosso processo coletivo sobre o trabalho.

A partir dos conteúdos das marchinhas, desenvolvi contextos (atos) para as falas das personagens e para inserir as paródias e poemas, de modo a promover diálogos e reflexões sobre esses contextos.

Desse modo, o espetáculo foi dividido em quatro atos.

O primeiro ato chama-se “Ò abre alas”, baseado na marchinha homônima da compositora Chiquinha Gonzaga.

Nesse momento, fazemos a abertura do espetáculo e contextualizamos a parte histórica do carnaval.

O segundo ato chama-se “Zezé e Maria Sapatão”, que é baseado nas marchinhas “Maria Sapatão” e “Olha a cabeleira do Zezé”, ambas do compositor João Roberto Kelly.

Esse ato se propõe a discussão sobre a questão de gênero e os preconceitos.

O terceiro bloco chama-se “Mulata”, e é baseado na marchinha “O teu cabelo não nega”, do compositor Lamartine Babo.

Neste, problematizamos o termo mulata, resignificando a objetificação das mulheres negras na sociedade, não somente no carnaval, fazendo a transição da mulata para a passista, que é trata como uma rainha.

O último ato, “Carnaval”, é o qual celebramos o carnaval, sem perder de vista todas as questões sociais que perpassam esse universo.

Sobre as personagens, foi um desafio.

Inicialmente pensei em fazer um espetáculo somente com personagens negros.

No entanto, por meio da pesquisa pude constatar que todos os personagens negros no carnaval são estereotipados e reforçavam estigmas.

Por exemplo: a Nega Maluca, Saci Pererê, Preto Velho, ou o próprio Black Face, no qual pessoas não negras pintam o corpo de preto para se fantasiarem de negros.

Negro não é fantasia.

A alternativa foi recorrer a personagens que são emblemáticos no carnaval brasileiro e mundial.

Para além da escolha da personagem em si, considerei o perfil de cada integrante, de modo que as mesmas coubessem na personagens.

Assim eu representei a cantora portuguesa Carmem Miranda, Jô Freitas a Odalisca, Elizandra Souza a Melindrosa, Thata Alves a Passista de carnaval e Taissol Ziggy o Malandro do samba.

Com as referências, cada integrante elaborou a sua fantasia, estudou a postura das personagens.

E o toque final na caracterização foi dado pelo diretor Renato Gama e pelo maquiador Gil Oliveira.

Toda a história ocorre em um baile de carnaval, por isso decidimos por inserir uma banda para melhor ambientação.

A banda é formada por Taissol Ziggy, percussionista residente do Sarau das Pretas, e pelas musicistas convidadas, Mayara Almeida no sax e Camila Silva no cavaquinho.

Nesse processo Jô Freitas, que assina a codireção, foi quem incorporou os músicos e o diretor ao grupo.

Foi uma escolha acertada, porque assim, o trabalho ficou completo.

O cenário foi a parte mais fácil, busquei elementos básicos como máscaras, festão, guarda-chuva de frevo, muito confere e serpentina.

O cenário de carnaval não tem como errar, é só carregar na alegria.

 

WABC – Tradicionais marchinhas estão, de alguma forma incluídas, no show. Qual foi o critério de escolha das músicas?

Sarau das Pretas – Débora Garcia:

As tradicionais marchinhas foram à base para a criação do roteiro do espetáculo. Escolhemos as marchinhas mais famosas e que contêm mensagens que hoje são questionadas.

O espetáculo estrutura-se basicamente nas marchinhas apontadas na questão anterior.

 

WABC – Foi um desafio em lidar com temas como preconceito e inserir no espetáculo a discussão de uma maneira mais leve e mesmo assim ser ainda um convite para reflexão?

Sarau das Pretas – Débora Garcia:

Sim, foi um desafio, porque queríamos falar sobre esses temas sem tornar o ambiente pesado ou proibitivo, afinal trata-se de um baile de carnaval.

As tradicionais marchinhas que foram problematizadas são obras que, à época, cumpriram o seu papel e refletiram o pensamento de um tempo.

Hoje em dia essas ideias não cabem mais.

Cada vez mais o contexto do carnaval está pautando as questões sociais, as questões das minorias e principalmente as questões sexual e de gênero.

O contexto do carnaval sempre foi tido como um espaço favorável para a prática de assédio e abuso sexual.

Pautamos isso também. Tudo pode e deve acontecer no carnaval, desde que haja consentimento.

Trabalhar com paródias, músicas alegres e poemas novos, nos ajudou a manter o clima festivo.

 

WABC – Vocês já se apresentaram no Sesc Santo André mostrando esse show pela primeira vez. Como foi a receptividade do público?

Sarau das Pretas – Thata Alves:

Foi muito gratificante encontrar no olhar do público os olhos brilhando com cada surpresa de informação que dávamos, com cada face embasbacada com o conteúdo que apresentávamos desconstruindo paradigmas e estereótipos camuflados no carnaval.

O público recebe esse novo espetáculo como algo novo e que estimula uma reflexão sobre os termos preconceituosos que são naturalizados nessas épocas.

 

WABC – A marchinha “Ó abre alas” de Chiquinha Gonzaga também ganhou espaço no espetáculo? É uma homenagem aos antigos carnavais?

Sarau das Pretas – Débora Garcia:

Foi uma homenagem à grande maestrina Chiquinha Gonzaga e um resgate da história dos blocos de carnaval.

Chiquinha Gonzaga foi quem inaugurou esse gênero musical ao compor “Ó abre alas”, em 1899, para a Rosas de Ouro, que à época, era ainda um bloco de carnaval.

Sendo assim, esta foi a primeira marchinha de carnaval da história do nosso país, por isso a escolha para a abertura do nosso espetáculo, trazendo também a perspectiva cronológica.

 

WABC – O CarnaPretas também traz poemas feitos especialmente para este show.  Como foi a elaboração deles?

Resposta – Débora Garcia:

A elaboração dos poemas foi um processo particular de cada poeta.

O único direcionamento é que a temáticas estivesse de alguma forma, inserida no contexto do carnaval.

Nesse aspecto não coube interferências.

Com os poemas prontos, eu fui ajustando e criando contextos para a sua inserção no roteiro.

 

WABC – Neste show, vocês também estão se apresentando acompanhadas de uma banda. Como foi a experiência?

Sarau das Pretas – Jô Freitas:

A música sempre foi algo bastante presente no trabalho artístico do Sarau das Pretas, devido às compositoras que temos no grupo e pela percussão, que é o coração do nosso trabalho.

Quando Débora trouxe a proposta de baile carnaval, ela sugeriu inicialmente que cantássemos com bases musicais.

Mas pensei o quanto faria a diferença ter uma banda.

Baile de carnaval tem que ter banda de carnaval.

A proposta foi bem acolhida pelo grupo e nos deu um grande ânimo pela possibilidade de partilhar essa vivência com outros profissionais, ter outras experiências com a música.

Então, se juntaram à Taissol Ziggy, Mayara Almeida no sax e Camila Silva, no cavaquinho.

Uma banda só de mulheres.

Renato Gama fez todo o trabalho de direção musical e cênica.

Foi um trabalho que nos enriqueceu muito e que nos fez ter mais vontade de aprimorar e fortalecer essa área em nosso trabalho e de continuar trazendo novos parceiros.

 

WEBAC – Como está a expectativa de vocês para a apresentação no Sesc São Caetano?

Sarau das Pretas – Thata Alves:

Esse trabalho tem nos estimulado e exigido de forma diferente, pois não tínhamos domínio da linguagem teatral com exceção da Jô Freitas.

Então cada novo ensaio nos mostra uma potencialidade diferente e possível!

Com toda a euforia que nos invade esse trabalho é construído com muita alegria de desafios superados.

Resultando num espetáculo faraônico para o público.

 

WABC – Sobre os próximos passos do coletivo, o que os fãs do Sarau das Pretas podem esperar para este ano?

Sarau das Pretas – Elizandra Souza:

O Sarau das Pretas completa uma caminhada de dois anos de atuação.

As pessoas que admiram nosso trabalho podem esperar muita diversidade rítmica e poética, criatividade e apresentações com novas temáticas.

Também novas parcerias que fortalecem nosso campo de atuação.

Neste ano de 2018 também estamos com nova identidade visual para fortalecer nossa imagem no cenário cultural e desenvolver produtos que fortalecem o aprendizado das relações étnico-raciais e de gênero.

E também estamos com o nosso site o qual reuni todo o nosso material artístico.

 

Serviço

Sarau das Pretas no Sesc São Caetano

Espetáculo CarnaPretas – Diversão sem preconceito

Data: 16 de fevereiro de 2018 (sexta-feira) – 20h

Local: Sesc São Caetano (Rua Piauí, 554 – Santa Paula – São Caetano do Sul – SP)

Ingresso: grátis

Classificação: livre

Duração: 60 minutos

Informações: (11) 4223-8800

 

Foto de capa: Divulgação

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